sábado, 6 de novembro de 2021

O MEU PREC

O MEU PREC: Do 25 de abril de 1974 ao 25 de novembro de 1975 Sempre que se fala no dia 25 de Abril de 1974, vem-me à memória o facto de ter tomado conhecimento do mesmo no Liceu Nacional de Ponta Delgada. Com efeito, lembro-me de estar numa aula de Geografia lecionada pela professora Zilda França quando chegou à sala a professora de Matemática Conceição Garcia e as duas estiveram a ouvir na rádio as notícias. A 25 de Abril de 1974 era presidente da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo o professor primário, Orlando Augusto Borges Brandão que durante alguns anos foi presidente da Comissão Concelhia da Ação Nacional Popular, organização política que resultou da União Nacional, e, no dizer de Manuel Barbosa, “vistoso ornamento da Legião Portuguesa”, organização criada, em 1936, para “defender o património espiritual da Nação e combater a ameaça comunista e o anarquismo". Como seria de esperar, com o derrube de Marcelo Caetano, os adeptos do Estado Novo, os fascistas, não se renderam e nalguns casos resistiram o mais que lhes foi possível para se manterem nos cargos que antes ocupavam. Por outro lado, os adversários do estado novo, os democratas, começaram a organizar-se e a mobilizar as pessoas com vista à substituição de quem ocupava os vários cargos por quem havia resistido à ditadura de Salazar e Caetano. Com quase 17 anos de idade, sem nenhuma formação política a não ser as aulas de Organização Política e Administrativa da Nação que estavam a ser ministradas pelo Dr. Álvaro Dâmaso, no Liceu Nacional de Ponta Delgada, fui assistindo com atenção ao que se passava através da transmissão das informações de boca a boca e participando de forma passiva em alguns acontecimentos, como ocorreu na primeira manifestação do Dia do Trabalhador em Vila Franca do Campo e no processo de substituição dos “inquilinos” da Câmara Municipal de Vila Franca do Campo. No final de maio de 1974 andou a recolher assinaturas, em Vila Franca do Campo, um abaixo-assinado, que para além de contestar o aumento da taxa da água solicitava a destituição da administração municipal. Este abaixo-assinado que teve 1056 subscritores foi enviado à comissão do Movimento Democrático Português de Ponta Delgada que por sua vez enviou um telegrama ao Ministério da Administração Interna dando conhecimento do conteúdo do mesmo. Os adeptos do antigo regime não permaneceram quietos e começaram a pressionar algumas pessoas para reagir à iniciativa dos democratas, tendo um grupo de que faziam parte Eduardo Manuel Mendes Araújo, Eduíno Manuel Simas Couto, José Lopes e Manuel da Costa Braga enviado uma Declaração aos jornais onde declararam que haviam assinado um texto a pedir a redução da taxa da água e não a solicitar a demissão da Edilidade de que não têm razão de queixa. Na mesma altura, o professor Orlando Brandão reagiu violentamente ao abaixo-assinado, tendo numa nota datada de 5 de Junho de 1974 afirmado que o mesmo era “um documento reconhecidamente falso, onde até crianças inocentes ainda em idade escolar, irresponsavelmente apuseram a sua assinatura” e aproveitado a ocasião para denunciar o facto da Comissão do Movimento Democrático estar a “ser manobrada pelos fascistas que forjaram o abaixo-assinado, um dos quais foi presidente da Comissão de Freguesia de São Miguel de Vila Franca do Campo, até ao dia 25 de Abril e em cuja casa a Comissão de Concelho da extinta ANP se reuniu e planeou a ação a desenvolver”. A 11 de Junho do mesmo ano, pelas 10 horas, algumas centenas de pessoas reuniram-se junto à Câmara Municipal de Vila Franca do Campo e elegeram uma comissão administrativa composta por Raul Eduardo Vale Raposo Borges, licenciado em direito, Armando Botelho Henrique, lavrador, Alfredo Moniz Gago da Câmara, industrial, João José Sardinha, lavrador, e Elias Pimentel Costa, comerciante. De acordo com a ata da eleição, o povo de Vila Franca reuniu em frente aos Paços do Concelho e de forma “espontânea e conscientemente manifestou o seu desejo aberto e claro de deixar de ter na sua administração municipal as pessoas que a executavam há muito tempo”. Se é crível que a população andava farta de autoritarismo, ninguém acredita que a reunião tenha ocorrido de forma espontânea e que os nomes dos eleitos tenham caído do céu. À distância dos acontecimentos, arrisco-me a dizer que a democracia estava a dar os primeiros passos atrás. Não satisfeitos com o rumo dos acontecimentos, os partidários do antigo regime convocaram uma concentração para o dia 14 de junho uma nova reunião para o mesmo local com vista à escolha de uma outra Comissão Administrativa para a Câmara Municipal, a qual não resultou e transformou-se num “assalto” ao edifício da Câmara Municipal e na queima de alguns documentos. Assisti à eleição da comissão administrativa e ao “assalto” à Câmara junto ao muro do jardim, em frente ao estabelecimento comercial “A Construtora”, tendo presenciado a situação caricata por que passou o Dr. Raúl Borges que, por não querer ser levado em “triunfo” para a Câmara Municipal, encontrava-se, aos ombros de duas pessoas, agarrado aos ramos de uma árvore. A seguir ao 25 de Abril comecei a tentar informar-me o máximo possível sobre as mais diversas ideologias políticas e comecei a ler tudo o que me chegava às mãos. Lembro-me de um dos primeiros livros que li foi comprado na Papelaria Avenida e tinha por título “Você pode confiar nos comunistas (…eles são comunistas mesmo!)” da autoria do físico e ativista político australiano Fred Schwarz, que fundou a Cruzada Anticomunista Cristã. A par dos livros que ia comprando, passei a ler literatura diversa emprestada por um grupo de jovens estudantes que tinham familiares ligados a diversas organizações da extrema esquerda no continente português. Entretanto em Vila Franca do Campo, o PS-Partido Socialista e o PCP-Partido Comunista Português abriram sedes e acabei por, após uma ou duas conversas com a funcionária do PCP, Regina Martins, aderir formalmente à UEC- União dos Estudantes Comunistas . Como a UEC não estava organizada em Vila Franca do Campo, integrei-me numa célula da mesma constituída por alunos do Liceu Nacional de Ponta Delgada, tendo, se não me falha a memória, participado em duas reuniões na sede do PCP localizada na Rua da Misericórdia, em Ponta Delgada. Depois do Governo ter anunciado a 27 de outubro de 1974 as Campanhas de Dinamização Cultural, com o objetivo de "cumprir integralmente o programa do MFA e colocar as Forças Armadas ao serviço de um projeto de desenvolvimento do Povo Português" participei, em data que não me recordo, em regime de voluntariado, em sessões de formação dadas por militares vindos do continente e destinadas a aprendermos o método de Paulo Freire com vista a ensinarmos a ler a pessoas que não o sabiam. As aulas eram ministradas numa sala por cima de uma Padaria do Sr. Alfredo Gago da Câmara que ficava na Rua Teófilo Braga e lembro-me de que depois de algumas desistências terem aprendido com sucesso as primeiras letras o Sr. Isidoro, que era tratador de gado bovino e o Sr. João de Lima Carvalho, dono de uma mercearia. Ao contrário do que alguns detratores apregoam, nunca perguntamos às pessoas a que partidos pertenciam ou que ideologias políticas ou religiosas seguiam. O nosso objetivo foi unicamente que aprendessem a ler. Para além da minha ligação com os meus colegas ligados à extrema-esquerda marxista-leninista (maoista), da minha militância formal na UEC, tinha fortes amizades com pessoas ligadas ao MES- Movimento de Esquerda Socialista de tal modo que nas eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas a 25 de Abril de 1975, votei neste partido. Nas eleições para a Assembleia Constituinte, o MES candidatou-se por Angra do Heroísmo, tendo apresentado como candidatos Alberto Azevedo, estudante, e João Fernandes, trabalhador numa lota de peixe. Por Ponta Delgada, foram candidatos: Eduardo Pontes, empregado de escritório, Jorge Costa Dias, funcionário público e José Eduardo Martins Mota, engenheiro. Dos seus principais dirigentes destacou-se Eduardo Pontes que foi um dos poucos resistentes, nos Açores, à ditadura de Salazar e Caetano. Aquele foi eleito no Congresso, realizado em 1976, para o Comité Central. Destas eleições para a Constituinte recordo a entreajuda que havia entre todos os partidos que se posicionavam à esquerda, de tal modo que eu colei cartazes de Partido Socialista, do Movimento de Esquerda Socialista e do Partido Comunista Português. De igual modo sempre que a algum dos grupos faltava algo, ajudávamo-nos uns aos outros, quer emprestando as escadas, cedendo cola ou mesmo ajudando a colar os cartazes. Um episódio de falta de fair-play ocorrido na campanha eleitoral para a Assembleia Constituinte marcou-me para sempre de tal modo que de vez em quando me lembro dele. Assim, depois de um grupo de pessoas, em que eu estava, penso que acompanhado pelo Eduardo Lopes, pelo César “Prisca” e pelo António Gomes, percorrido uma zona considerável de Vila Franca, desde o centro da Vila, passando pelas Hortas e toda a Ribeira Seca, a colar cartazes, transportando, a pé, uma pesada escada de madeira, descobrimos que tínhamos sido seguidos por um pau mandado a mando de alguém do Partido Popular Democrata e que o mesmo havia arrancado todos os cartazes que havíamos colado. Para além da minha participação na campanha eleitoral apoiando toda a esquerda, também ajudei o meu pai que ficou responsável pelo recenseamento de todos os habitantes da Ribeira Seca. Assim, foi em minha casa que se recensearam todas as pessoas do então lugar da Ribeira Seca, hoje freguesia, e eu como frequentava o liceu e tinha mais facilidade do que meu pai para o preenchimento de papéis acabei por ser responsável pelo recenseamento da maioria dos meus conterrâneos. A partir do 6 de junho de 1975 fui-me afastando da UEC e do PCP e aproximei-me mais do grupo que em Ponta Delgada editava o jornal “Luta Pela Democracia Popular” que, se não estou enganado, mantinha ligações com a OCMLP- Organização Comunista Marxista Leninista Portuguesa , pois o grupo distribuía o jornal daquela organização “O Grito do Povo”. Para além de “O Grito do Povo”, aquele grupo distribuía várias brochuras de duas coleções, Textos Marxistas, da OCMLP, e das Edições Causa Operária , “A Classe Operária”, órgão central do Partido Comunista do Brasil e a revista Spartacus cujo primeiro número foi impresso na Suécia, mas que teve uma segunda edição em setembro de 1974, com uma tiragem de 10 000 exemplares. Esta revista embora se afirmasse independente, segundo Pacheco Pereira , tinha origem na OCMLP e “destinava-se a ser a revista cultural contraparte da Seara Vermelha do PCP (ML)”. Embora os atos de violência tenham começado antes, foi, de acordo com Barbosa (1978), a partir dos últimos dias de maio de 1975 que começaram “os assaltos e destruições a sedes e centros de trabalho dos partidos progressistas” (p. 75). Assim, a 20 de agosto foi assaltada a sede do PCP de Vila Franca do Campo essencialmente por energúmenos idos de Ponta Delgada e por ignorantes arrebanhados pelos caciques locais em várias freguesias do concelho, nomeadamente em Ponta Garça. Lembro de estar em minha casa, na rua do Jogo, e passarem nas ruas aos gritos e a espumar raiva e vinho de cheiro bandos de ignorantes oriundos de Ponta Graça armados de foices, varapaus e correntes utilizadas para amarar o gado. Desconheço se foram os mesmos ou outros que antes estiveram ao serviço dos chamados democratas.

domingo, 31 de outubro de 2021

segunda-feira, 8 de março de 2021

Sobre as prisões do 6 de junho

Luta pela Democracia Popular

O seu a seu dono No final do ano passado foi editado, pelo Instituto Histórico da Ilha Terceira, o livro "A Violência da FLA quase tomou conta da ilha" da autoria de Carlos Enes. Na página 33, o autor atribui a responsabilidade pela publicação do jornal “Luta pela Democracia Popular” ao MES- Movimento da Esquerda Socialista, o que não corresponde à verdade. Apenas para repor a verdade histórica, esclareço que o referido jornal foi da responsabilidade de um grupo de jovens simpatizantes dos grupos marxistas-leninistas que mais tarde se uniram para dar origem à UDP- União Democrática Popular e ao PC(R). De acordo com alguns dos seus responsáveis, o jornal depois de uma existência “legal”, foi publicado “clandestinamente” em Ponta Delgada e os últimos números foram impressos em Lisboa. É no melhor pano cai a nódoa. Apesar desta “gralha” quem se interessa por melhor conhecer o passado o livro merece uma leitura. Pico da Pedra, 8 de março de 2021 Daqui: https://poisaleva.blogspot.com/