domingo, 2 de junho de 2013

Daniel de Sá, a FLA e o 6 de Junho



Factos e protagonistas dos tempos da FLA

O jornal “Açores” era uma espécie de órgão oficioso da FLA. O tempo que se vivia era de autêntica pré-guerra civil, pelo que as mentiras ao serviço do movimento, como aquela notícia absolutamente fantasiosa com que comecei o «post» anterior, faziam parte da acção psicológica. O seu director, Gustavo Moura, veio a ser preso por causa disso e foi, honra lhe seja feita, o único até hoje, em cerca de trinta, que publicamente em entrevista na RTP ouvi reconhecer a justiça da sua prisão (na sequência do 6 de Junho, a que me referirei adiante.)
Porquê eu?
Eu, simplesmente porque estou a contar a história. Mas outros sabem tanto ou mais do que eu, e foram tanto ou mais protagonistas de um lado e outro das duas frentes.
O “Açores” foi o jornal em que comecei a escrever como colaborador gratuito, e mantive-me lá até ao Verão quente de 1975. Por essa altura publiquei um artigo contra a independência que foi mal aceito. Depois escrevi outro cuja publicação foi recusada, mas que foi levado para uma reunião da FLA em que disseram de mim (soube-o por um dos participantes, que fora redactor do “Açores”) o pior que se pode imaginar. Ainda escrevi um artigo contra a política gonçalvista dos saneamentos selvagens, que foi publicado, o que não aconteceu a um segundo, por medo das represálias. Por causa disso, deixei de colaborar lá e passei para o “Correio dos Açores”. Um dos artigos que neste escrevi provocou duas ameaças de bomba, a suspensão de catorze assinaturas e o pedido de sete novas.
Quando a FLA começou a ganhar cada vez mais força, organizei aqui na Maia duas manifestações contra a independência. Foi a única freguesia dos Açores a fazê-lo, o que foi um golpe incómodo para a unanimidade que a FLA fingia recolher dado o silêncio da contestação popular. Havia resistências pontuais em Ponta Delgada, por parte de comunistas e socialistas, mas nenhum movimento de massas. Foram postas bombas artesanais feitas com botijas de gás, várias pessoas foram agredidas, automóveis queimados, a sede de alguns partidos e a casa da família do Jaime Gama incendiada. (Os primeiros incendiários foram extremistas de esquerda, que pegaram fogo à sede do Movimento para a Autodeterminação do Povo dos Açores, antecedente “legal” da FLA, fundado por gente do PPD.) Quando o director do “Açores” arrefeceu o seu apoio à causa também apanhou com uma bomba em casa por represália, bem como Américo Natalino de Viveiros, secretário do governo regional, pelo mesmo motivo.

DANIEL DE SÁ
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José de Almeida

O chefe “histórico” da FLA fora até 25 de Abril de 1974 deputado por Viana do Castelo. Umas duas semanas depois da revolução, esteve num café de Ponta Delgada à conversa com a mulher do engenheiro João Miranda, da Câmara de Angra, que viria a ser meu colega como director regional (dito secretário) para as construções escolares (enquanto eu o fui para a Comunicação Social e Desporto) da Junta Regional, o governo nomeado para preparar eleições e que serviu como primeira experiência de governo autónomo. José de Almeida disse a essa amiga que estava a caminho dos EUA, que isto não lhe dizia quase nada, pois vivera grande parte da sua vida no Continente. No entanto, nos EUA foi convencido, por um grupo de emigrantes com ligações aos subterrâneos de certos poderes económicos, a vir dirigir um movimento separatista. Assim nasceu o chefe da FLA.

Frank Carlucci

Foi provavelmente também por causa dele que a FLA nunca teve apoios oficiais nos EUA. Veio uma vez aos Açores inteirar-se da situação política, e uma das suas reuniões foi na sede do PS. A certa altura perguntou que pensávamos das possibilidades de independência dos Açores. Por acaso a isso fui eu quem lhe respondeu. Disse-lhe que os Açores eram muito bons para a América, que ficava assim mais perto da Europa; e para a Europa, que ficava mais perto da América. Mas nós ficávamos mais longe de tudo, pelo que aquilo que exportávamos chegava muito mais caro ao destino e aquilo que importávamos chegava muito mais caro aqui. Ele respondeu textualmente: “Compreendi perfeitamente. Não há qualquer hipótese.”

Apoios

Passo por alto a tentativa falhada da FLA em adquirir material de guerra, por falta de apoios com que chegou a contar. Falo de outros, que decerto não virão nos livros de História.
Pouco depois de passado o pior período, com a queda de Vasco Gonçalves, houve um rapaz aqui da Maia que morreu num acidente numa mata. O marido da dona da empresa para que ele trabalhava veio à Maia tratar das questões legais com a família. Tratava-se de Raingeard de la Blétière, antigo miliciano na Argélia. Esteve à conversa com o já referido Francisco Sousa e comigo mesmo, em casa do meu colega. Havia uma organização a que ele estava ligado, composta por canadianos, americanos e franceses, que pretendia colocar nos Açores serviços completos de quartos-de-banho com pequenos defeitos de fabrico, e que por causa disso as fábricas não vendiam, por preços irrisórios, à volta de dois mil escudos cada um. O mesmo acontecia com televisores a preto e branco, que naqueles países ninguém comprava já, que seriam aqui oferecidos a 500$00, mais ou menos.
A finalidade desta operação seria provar aos açorianos e aos continentais que o capitalismo é que era bom, para os voltar contra o comunismo.

O 6 de Junho de 1975

Vem largamente referido por Medeiros Ferreira na História de Portugal dirigida por José Mattoso. Mas não consta lá como tudo foi engendrado. Começou numa conversa de três amigos ricos ligados à lavoura. (Foi um deles que mo contou, há poucos anos, lembrando isso quase com pavor, dadas as consequências que poderia ter tido). A ideia era concentrar o máximo possível de manifestantes em frente ao palácio do governador do distrito (na altura o Dr. António Borges Coutinho). Os lavradores (como aqui se chama aos criadores de gado) protestariam a pedir o aumento do preço do leite e diminuição do custo das rações e dos adubos; os trabalhadores do campo exigiriam alfaias mais baratas e os adubos também; e mais uma ou outra reclamação do género.
A verdadeira finalidade da manifestação não era conhecida por mais do que umas poucas dezenas de pessoas. Havia um grupo de umas vinte, talvez, que se mantiveram juntas. A multidão foi-se exaltando cada vez mais nos seus protestos frente ao palácio do governo do distrito, de modo que repetia qualquer grito que fosse dado. A certa altura, quando julgaram conveniente, os tais cerca de vinte gritaram “independência!” E a multidão repetiu o grito várias vezes. Assim se criou o mito, a pouco e pouco arrefecido pelas sucessivas confissões que têm sido feitas, de que milhares de açorianos (micaelenses) exigiram a independência naquele dia 6 de Junho.

Nota final

Quem movimentou as pessoas da Maia para se juntarem e assistirem à queima da bandeira foram sobretudo Roberto Rodrigues (meu cunhado, então com 18 anos, e hoje advogado no Seixal) e José Augusto da Silva Medeiros, que aos vinte anos tinha apenas a 4ª classe e aos 28 já era médico! Sem passagens administrativas. Chegou a ser o único a fazer exames, a seu pedido, na Universidade de Coimbra. Hoje é um reputado investigador de gastro-enterologia a nível internacional e professor na Faculdade de Medicina dessa Universidade.
Por fim, algo que acabo de descobrir na Net acerca daquela figura parda do Raingeard de la Blétière:
«Sempre fra il 1975 e il 1976 stava operando nelle Azzorre un altro uomo di fiducia di GUERIN SERAC, Jean Denis RAINGEARD DE LA BLETIERE, anch’egli ex-ufficiale dell’Esercito Francese, il quale aveva costituito il FRONTE DI LIBERAZIONE DELLE AZZORRE, in realtà non un movimento di liberazione, ma un gruppo secessionista che aveva la finalità di salvare una zona di alto interesse strategico, all’epoca, per gli Stati Uniti.
Infatti, qualora le forze comuniste e quelle ad esse alleate avessero avuto definitivamente il sopravvento in Portogallo, il Fronte costituito da Jean Denis avrebbe dovuto tentare la secessione delle Azzorre dalla madrepatria portoghese al fine di consentirvi il mantenimento delle basi americane».

DANIEL DE SÁ

Fonte: http://aspirinab.com/visitas-antigas/daniel-de-sa/factos-e-protagonistas-dos-tempos-da-fla/

Daniel de Sá e a Frente de Libertação dos Açores

Daniel de Sá (à esq.) com o realizador brasileiro Douglas Machado. As janelas da casa do Daniel, na esquina, com barras verdes, foram reforçadas contra possíveis atentados à bomba por parte da FLA.

A casa foi ainda protegida a partir da escola à direita, de que se vê o gradeamento.
Num comentário, foi pedido ao Daniel de Sá alguma informação sobre as suas relações com a FLA (Frente de Libertação dos Açores). O Daniel fixa-se num episódio, que foi relatado no jornalAçores, em Outubro de 1975.
Foi queimada uma bandeira da FLA, na Maia. O autocarro da carreira Ponta Delgada – Maia chegou meia hora mais cedo para os passageiros assistirem ao acto. A bandeira fora hasteada às escondidas, durante a noite, numa casa desabitada em frente da igreja por um grupo de socialistas, dos quais faziam parte eu e um colega chamado Francisco Sousa [veio a ser presidente nacional do Sindicato de Professores]. Essa queima fora preparada em minha casa, durante um lauto banquete, com a presença de dois altos dignitários do PS. A bandeira terá sido arrastada pelo chão, pisada, lançada à lixeira, e depois queimada.

DANIEL DE SÁ
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Os factos

Às sete horas da tarde da véspera, Jaime Gama e outro alto dirigente regional do PS estiveram comigo, em casa do Francisco Sousa, a preparar as eleições autárquicas que se aproximavam. Por volta das sete e trinta, aqueles dois dirigentes seguiram para a Achadinha, a 17 km da Maia, com idêntica agenda de trabalho. Cerca das nove horas reuniu-se um grupo de amigos em minha casa, para a despedida de dois deles que iam regressar à universidade em Lisboa. Petiscámos caracóis guisados e chouriço à bombeiro.
No dia seguinte fui informado da existência da bandeira na tal casa. Havia quem a quisesse queimar, e eu disse que não valia a pena. Mas a ideia prevaleceu. À hora marcada, para coincidir de facto com a chegada do autocarro (cujo horário, que ainda se mantém, fora alterado cerca de seis meses antes para meia hora mais cedo), a bandeira foi arriada. Eu fui ver, bem como centenas de pessoas. Como não gosto de ver queimar bandeiras (para mim esse gesto deveria ter ficado apenas como símbolo da revolta contra o nazismo), aconselhei a que não a queimassem, que era preferível arrastá-la pelo chão e deitá-la à lixeira, a cerca de 600 metros de distância. Mas queimaram-na mesmo ali.
Explicação para a alteração radical da verdade
Um senhor que assistiu a tudo, e que era muito trapalhão a falar, foi de propósito à sede do jornal contar o episódio. Foi mal e ridiculamente interpretado, bastando para isso atentar no pormenor de que a viagem do autocarro entre a Ribeira Grande (onde tinha paragem com pausa obrigatória) e a Maia demorava cerca de quarenta minutos, pelo que era impossível chegar meia hora mais cedo. As outras confusões percebem-se facilmente. Atribuir-nos o içar da bandeira foi pura imaginação. Ela fora comprada por um simpatizante da FLA, que pediu a três rapazes do PPD para a içarem. A intenção era mesmo provocar, mas os moços não faziam ideia do significado do acto. O jornal nunca aceitou desmentir a notícia.

Consequências mais graves

Depois de uma reunião do sindicato em Ponta Delgada, o Francisco Sousa e eu, bem como um terceiro “inimigo” da FLA que estava connosco, fomos cercados por várias dezenas de arruaceiros daquele movimento. Tivemos de ficar refugiados no edifício até à chegada da PSP. Fomos levados para as instalações da Polícia em Ponta Delgada, onde uma multidão enfurecida gritou ameaças de morte contra nós. Tentei dialogar com eles, mas a PSP não mo permitiu. Fomos trazidos à Maia por toda a força policial disponível, mais as nossas mulheres, que tinham ido também a Ponta Delgada. Viemos pelo caminho alternativo da Lagoa, porque a FLA barricara a estrada da Ribeira Grande num sítio conhecido como Caldeirão. A situação afigurava-se tão grave que, pela primeira vez, o comandante da PSP autorizou que fossem usadas armas de fogo, se necessário.
Seguiram-se dias de constante pressão e vigilância das nossas casas. Com a queda de Vasco Gonçalves, os ânimos foram acalmando.

DANIEL DE SÁ

Fonte: http://aspirinab.com/visitas-antigas/daniel-de-sa/daniel-de-sa-e-a-frente-de-libertacao-dos-acores/